Você acredita na ciência?
A espécie humana chegou aos dias de hoje com um avanço científico e tecnológico considerável. Vivemos, segundo Yuval Noah Harari, autor de “Sapiens – Uma breve história da humanidade”, o momento de maior expectativa e qualidade de vida de todos os tempos devido às descobertas e ao desenvolvimento da ciência. Mas, tenho a impressão de que o saber científico enfrenta uma crise de confiança e me sinto intrigada em saber por quê.
De acordo com Marcelo Gleiser, cientista brasileiro, professor de filosofia natural, física e astronomia na Dartmouth College nos Estados Unidos, em seu livro “A Simples Beleza do Inesperado”, uma sociedade educada cientificamente é capaz de controlar os caminhos de seu próprio futuro. Indico muito esse livro, pois tenho certeza de que sua leitura fará cada qual se questionar sobre um assunto diferente, dado sua abrangência, simplicidade e até poesia. Resolvi, dado o contexto, focar na discussão científica. O autor relata que a educação científica no Brasil e, em proporção menor, mas não desprezível, nos Estados Unidos, tem sérios desafios pela frente. Dentre os americanos, uma pesquisa da Fundação Nacional da Ciência revelou que cerca de um quarto da população não sabe que a Terra gira em torno do Sol, acreditando que seja o Sol que gire em torno da Terra. Cerca de um terço da população americana não aceita a visão científica da evolução das espécies, segundo a qual somos descendentes genéticos dos primatas. Mesmo não possuindo dados similares para o Brasil, o autor não acredita que as proporções aqui sejam menores. Por que será que isso acontece? Ignorância, ceticismo, teorias da conspiração?
Antes de tentarmos explorar esses motivos, é importante definir o que é ciência. Segundo Pedro Menezes, professor de filosofia e mestre em ciências da educação, ciência é o conhecimento que explica os fenômenos obedecendo a leis que foram verificadas por métodos experimentais. A ciência baseia-se na regularidade, na previsão e no controle de fenômenos que podem ser observados. O objetivo da ciência é explicar, descrever e prever os fenômenos a partir do desenvolvimento de procedimentos metodológicos que possam ser constantemente verificados e reproduzidos. São suas características:
- Ser objetiva: a ciência é um conhecimento que pressupõe uma objetividade, ou seja, busca ser imparcial, com a mínima influência dos interesses pessoais, com linguagem clara, rigorosa e precisa para evitar ambiguidades.
- Ser verificável: as teorias científicas devem ser postas à prova. Teorias que não resistem à verificação são descartadas. A verificação deve ser realizada pelo próprio cientista ou por qualquer pessoa e deve passar pelo julgamento da comunidade científica.
- Ser controlada: todos os elementos das ciências devem ser controlados para possibilitar a sua verificação e reprodução.
- Ser lógica: a ciência é um conhecimento baseado na lógica, não aceita contradições.
Visando confirmar ou refutar minha sensação sobre uma considerável descrença na ciência na atualidade, realizei algumas pesquisas, que comprovaram a percepção. Segundo o site da Revista Pesquisa Fapesp (https://revistapesquisa.fapesp.br/resistencia-a-ciencia/) levantamento realizado em 2019 pelo Instituto Gallup por encomenda da organização britânica Wellcome Trust, abrangendo mais de 140 mil pessoas em 144 países, 73% dos brasileiros desconfiam da ciência e 23% consideram que a produção científica pouco contribui para o desenvolvimento econômico e social do país. Tais resultados não são uma exclusividade do Brasil e afeta nações como França e Japão, onde 77% dos entrevistados declaram desconfiar da ciência. Para o pesquisador sociólogo e físico da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Yurij Castelfranchi, trata-se de uma crise de legitimidade em geral, pois existem desconfianças também em outras estruturas de poder como o governo, o sistema judiciário e a imprensa.
Tentando obter algumas explicações, publiquei nas minhas redes sociais uma enquete questionando “Por que existem tantas pessoas que não acreditam na ciência no mundo de hoje?
- Falta de estudo
- Inocentes úteis
- Conveniência
- Temos que duvidar de tudo” (*)
(*) Por objetividade e limitações do meio utilizado, as opções precisavam ser poucas e resumidas.
Posso dizer que o resultado foi equilibrado entre as três primeiras, mas não faltaram apontamentos na última opção.
A “Falta de estudo” é vista como ignorância sobre um tema e a ausência de curiosidade e paciência na busca de embasamento a cada opinião. Há que se destacar, que esse motivo abrange não necessariamente os que não possuem estudo acadêmico, um pedreiro provavelmente entende melhor da estrutura de uma construção do que um psicólogo. O ponto é: se for preciso ter uma opinião a respeito de algo, seria necessário embasá-la em dados, para depois aceitar ou refutar tal posicionamento, o que torna o processo trabalhoso e nem sempre executado. Não se pode simplesmente crer que a Terra é redonda, quadrada ou plana apenas por uma opinião sob pena de não considerar as informações existentes já avaliadas e demonstradas por outros antes de nós.
Quem optou por “Inocentes úteis”, alega existirem pessoas sem malícia, manipuladas para seguir uma opinião contrária à ciência, servindo a interesses de outrem. O exemplo mais citado foi o de grupos de Whatsapp, onde se coloca muita notícia falsa na tentativa, tantas vezes bem-sucedida, de influenciar os participantes.
“Conveniência” implica haver pessoas que declaram opiniões iguais às de sua “bolha” para se sentirem membros. Por exemplo, muitos indivíduos que propagam ser antivacina tomam a vacina escondidos. Isso pode ocorrer porque eles tiram mais vantagem com esse posicionamento, obtendo ou mantendo privilégios. O ponto fundamental aqui é declarar uma posição e fazer outra coisa, ou seja, mentir sobre o que realmente pensa.
“Temos que duvidar de tudo” foi defendido com o argumento pelo qual a ciência atual vive de interesses e conveniências. A “ciência” foi muito acusada de se render ao poder econômico, o que a torna suspeita para muitos. Além disso, sabemos que não existe verdade eterna e absoluta e o que hoje pode ser lei, amanhã é demonstrado com novas explicações e soluções.
Deve-se considerar que toda essa discussão, como tantas outras, está cada vez mais nervosa porque vivemos num momento de extremos, em que as pessoas se recusam a considerar o contraditório, preferindo opiniões iguais às suas dentro de seu grupo. Existe muita paixão e pouca escuta ativa com relação às posições dos outros . A beleza de conseguirmos uma troca de ideias diferentes de forma salutar está cada vez mais difícil de se obter. Segundo Marcelo Gleiser, no livro já citado, existe ainda um componente educacional das gerações: as crianças adoram ciência e agem como cientistas instintivamente, misturando e jogando coisas, testando o comportamento de materiais diferentes, experimentando o mundo. O que será que faz o adulto perder essa curiosidade? A ciência é uma descrição do mundo natural. Para se aprender como a natureza funciona, temos que prestar atenção, olhar o mundo. Mas, não é o que acontece. Com raras exceções, as ciências são ensinadas na sala de aula, com as crianças olhando para um quadro negro ou uma tela de computador, longe da natureza. Para se interessar pela natureza, se apaixonar pelo seu estudo, as crianças precisam antes vê-la em ação. Para ensinar com sucesso é preciso despertar a vontade de aprender.
Citando Einstein: “A experiência mais bela que podemos ter, a emoção fundamental que inspira as criações mais significativas da arte e da ciência, é nossa atração pelo mistério. Aquele que a desconhece, que não é mais capaz de se maravilhar, está mais morto do que vivo, como uma vela que se apagou.”
Isso tudo não quer dizer que a ciência é um tipo de deus infalível, pois, por ser uma construção humana, é limitada e passível de erros. Basta revisitar alguns episódios de sua história para convencer-se disso, notando como conceitos e visões de mundo mudaram – às vezes radicalmente – à medida que aprendemos mais sobre a natureza e o nosso lugar nela. Mas, segundo Marcelo Gleiser, essa visão honesta da ciência não remove ou compromete sua enorme relevância. A missão da ciência não é encontrar respostas finais ou conclusivas, e sim construir uma descrição do mundo natural que é revisada continuamente de acordo com o acúmulo de dados e informações, tornando-se cada vez mais eficiente. Ao aprendermos mais sobre o mundo, acabamos por criar mais ignorância; surgem novas perguntas que podemos fazer, as quais não poderiam ser nem imaginadas anteriormente. Ou seja, o conhecimento gera novos desconhecimentos. Quanto mais sei, mais sei que nada sei, como já pensavam os filósofos gregos da antiguidade.
Tudo isso só nos leva a importância de termos uma competência muito requerida pelas organizações no mundo de hoje que é o pensamento crítico, o qual só poderá ocorrer quando embasado em informações, estudos e pesquisas. Há de se ter muito cuidado com quem tem opinião superficial sobre tudo.
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