Você enxerga e reage às ameaças óbvias?

No post anterior, falamos sobre como enxergar o não óbvio, sair da mesmice, reconhecer e usar a criatividade para se aproveitar das tendências. Mas, e o que falar sobre quando não enxergamos o óbvio? Será que isso acontece frequentemente?

Muitas vezes em nossas experiências diárias acendem-se sinais de alerta para alguma situação que nós simplesmente escolhemos não ver. Evitamos fazer perguntas cujas respostas não queremos saber porque não desejamos lidar com as suas consequências, especialmente quando verdades inconvenientes atrapalham as histórias que contamos a nós mesmos sobre como será maravilhoso se as coisas saírem conforme planejamos. Vemos os riscos por meio de lentes cor-de-rosa, minimizando a possibilidade de que nossas apostas possam estar erradas.

A esse conjunto de ameaças, Michele Wucker dá o nome de “rinocerontes cinzas” em seu livro “O Rinoceronte Cinza: como reconhecer e agir diante dos perigos óbvios que ignoramos”. Além de autora de livros ela é consultora de riscos, tendo atuado em várias entidades como o World Policy Institute, o The Chicago Council, o Global Affairs e a International Financing Rewiew. Ela também escreve para o The New York Times, CNN, Washington Post, Wall Street Journal, World Policy Journal, entre outros.

A metáfora do rinoceronte cinza é utilizada pela autora para identificar uma ameaça de alto impacto muito provável de acontecer: algo que deveríamos ver chegando, mas que ignoramos. Como seu primo, o elefante na sala, um rinoceronte cinza é algo que deveríamos perceber claramente em virtude de suas imensas proporções. É de se imaginar que algo tão grande receberia a atenção que merece. Mas Wucker nos mostra justamente o contrário: a própria obviedade desses paquidermes problemáticos é parte do que nos torna tão ineptos para agir diante deles.

Ao enfrentar um rinoceronte que está prestes a atacar, não fazer nada frequentemente é a pior opção. No entanto, muitas vezes é exatamente isso que acontece. O perigo raramente chega de forma inesperada e antes do ataque há muitas oportunidades perdidas de tomar precauções, entender e reagir aos sinais de alerta, mas o impulso de ficar paralisado é difícil de superar. Vivemos casos de ataques de rinocerontes cinzas em âmbito pessoal, profissional, empresarial, como país e como humanidade em geral. Verifique, com quais dos exemplos abaixo você já se deparou:

  • Banqueiros que foram alertados sobre os perigos de empréstimos de alto risco, mas não desistiram desses negócios.
  • Funcionários que sabiam como as pontes estavam se deteriorando, mas continuaram adiando reparos necessários.
  • Gerentes de uma fábrica cheia de rachaduras nas paredes que insistiam em continuar os negócios como de costume até tudo desabar.
  • Supervisores e executivos, alertados sobre contabilidade suspeita, que se recusaram a ouvir os delatores.
  • O CEO de empresa líder de mercado que não conseguiu responder às novas tecnologias e deixou a companhia lutando pela sobrevivência.
  • O velho patriarca sabedor da inexorabilidade do tempo, mas que preferiu levar a empresa ou o país à falência em vez de renunciar ao poder e permitir que a nova geração assumisse o controle de uma forma planejada.
  • Governos que insistem em não fazer o suficiente para conter as consequências da mudança climática, apesar de suas evidências se mostrarem cada vez mais incidentes. O aumento do nível do mar, tufões, tempestades, alagamentos e secas tornam-se cada vez mais comuns e devastadores, mas governantes e população insistem em tratá-los como “acidente” não passível de previsão.
  • Profissionais que insistem em não vislumbrar e se adequar às mudanças organizacionais e de mercado, se surpreendendo apenas quando são demitidos.

Gastamos tanta energia e capital para lidar com crises as quais  poderiam ter sido mais bem administradas no início, que isso se torna um círculo vicioso, pois nunca há tempo para lidar com uma ameaça de médio a longo prazo. Todos esses desafios, como rinocerontes pastando no horizonte, a princípio parecem ameaças distantes. Quanto mais perto chegarem, mais difícil será detê-los. No entanto, quanto mais distantes estão (ou nos convencemos que estão), menos provável é que façamos algo a respeito.

De todos os truques que a natureza humana nos prega, a inércia é uma das forças mais poderosas a nos impedir de sair do caminho de um perigo conhecido. E isso ocorre com coletivos, mas também na esfera pessoal. Quantos alunos esperam até o último minuto para fazer o trabalho final ou ficam acordados a noite inteira pouco antes do exame final, quando estudar mais cedo traria uma chance muito maior de obter uma boa nota? Quanto tempo você deixou seu carro rodando além da data da troca de óleo recomendada? Quantos avisos costumamos ignorar quando a impressora está ficando sem tinta e quão inconveniente é quando a tinta acaba antes de pedirmos uma recarga? Pense no impacto dessas procrastinações diárias ampliadas por bilhões de pessoas em empresas, governos ou nações inteiras.

Existem várias razões pelas quais deixamos de responder a tempo sinais de alerta: as peculiaridades e fraquezas da natureza humana, incluindo o simples e velho impulso de procrastinar, tabus culturais contra soar o alarme, nossa tendência a valorizar resultados positivos e depreciar os negativos, pensamento de grupo ou a tendência das pessoas de reforçar a visão predominante e ignorar as informações que se opõem à história reconhecidamente aceita. Esses são alguns mecanismos e tendências cognitivas atuando isolada ou de maneira combinada que explicam essa nossa propensão a não considerar previsões e não atuar na resposta aos perigos óbvios:

  • Pensamento de grupo: a tendência dos grupos isolados em ignorar quaisquer ameaças que estejam fora de suas expectativas normais.  Ele nos impede de ver além da mentalidade convencional e dificulta até reconhecer o que está diante de nós.
  • Viés da confirmação: torna as pessoas menos propensas a considerar e abraçar ideias alternativas que vão contra a mentalidade convencional. Quanto mais pessoas ao nosso redor acreditam na mesma coisa, maior é a probabilidade de concordarmos com elas, independentemente dessas crenças serem corretas ou não.
  • Priming: a maneira como processamos as informações depende de quem as fornece. Por exemplo: estamos mais propensos a supervalorizar informações de “especialistas”, uma falha que pode ter consequências desastrosas se simplesmente aceitarmos as recomendações sem questionar. Os números de muitos especialistas não são bons: médicos erram o diagnóstico de um em cada seis pacientes; índices de mercado superam 70% dos gestores de fundos mútuos; indivíduos são menos propensos a cometer erros em suas declarações de imposto de renda do que quando contratam contadores.
  • Efeitos contrários: ouvir opiniões contrárias às nossas pode sair pela culatra quando nos faz fincar o pé e nos apegar ainda mais às nossas convicções originais.
  • Viés da disponibilidade: é um atalho do nosso cérebro que enquadra nossas decisões de acordo com os exemplos mais imediatos que vêm à mente, especialmente se envolver vitórias que nos dão uma sensação falha de invencibilidade. Sob esse viés, as pessoas tendem a valorizar enormemente informações mais recentes em seus julgamentos, formando opiniões tendenciosas, tratando as novas notícias como mais importantes na tomada de decisão.

Segundo Wucker existem 5 etapas da constatação de um ataque de um rinoceronte cinza, que são importantes de reconhecer pois quanto mais tarde reagirmos, mais problemas e sequelas enfrentaremos.

A primeira etapa é a negação. Se expressa pela não aceitação ou minimização da existência da ameaça. É um mecanismo de defesa que entra em ação para nos permitir lidar com choques sem desligar completamente. A negação pode nos proteger, quando nos impede de ficarmos tão sobrecarregados pelos problemas assustadores que acabamos perdendo a energia e a motivação necessárias para lidar com eles. Mas, muitas vezes, não aceitamos o óbvio que está por vir. As empresas, os governos as organizações e as pessoas sobreviventes são aqueles dispostos a ouvir vozes diferentes que não dizem, necessariamente, aquilo que se espera ouvir. Ao estar ciente de nossos pontos cegos, questionar nosso pensamento e construir sistemas para soar alarmes difíceis de ignorar, poderemos ver os rinocerontes a tempo, priorizá-los, e agir não apenas para evitar sermos pisoteados, mas também, muitas vezes, de forma a usar a situação como uma oportunidade para alcançar uma melhor posição.

A segunda etapa do processo de identificação de um rinoceronte cinza é a hesitação. Trata-se de encontrar maneiras de arrastar o problema para o futuro. Permanecemos inertes por razões cognitivas, como: percepções errôneas de risco, interpretações falhas e pouca motivação para agir com base nas informações disponíveis. Assim como você não nota a rapidez com que uma criança está crescendo porque a vê todos os dias, é fácil ficar cego às ameaças conforme a situação piora gradativamente. Isso é parte do motivo pelo qual as pessoas demoram muito tempo para tomar atitudes, muitas vezes até que seja tarde demais. Frequentemente, é preciso um choque para fazê-lo entender que precisa lidar com uma crise.

Como terceira etapa do processo de ser pisoteado por um rinoceronte cinza, temos o dignóstico. Neste ponto, reconhece-se o problema e realiza-se o planejamento das ações para lidar com a ameaça. É muito comum ocorrer nesta fase um jogo de culpa enquanto se busca soluções, o que somente retarda e piora a qualidade das respostas.

Na próxima etapa de identificação de uma grande e provável ameaça temos o estado de pânico. Agora, já vemos o rinoceronte e entramos em alerta quando ele está prestes a atacar, mas percebemos sua proximidade e reagimos por medo, sendo que nossos modos de proceder podem não ser os mais aconselháveis para tratar o problema.  Quantas ações no combate à COVID-19 foram tomadas neste modo: desde aquelas para aceitação da pandemia, contenção do vírus até as relacionadas à aplicação de vacinas. Quando estamos diante de uma ameaça, as decisões que tomamos são distintas das que tomamos à distância, pois o privilégio do tempo nos permite pensar em busca de melhores soluções. Somos muito mais capazes de agir racionalmente e de maneira lógica quando não estamos em estado de pânico e de medo. A melhor maneira de sair do caminho de um rinoceronte cinza é pular o estágio de pânico e passar do diagnóstico à ação.

O quinto e último estágio de um ataque de rinoceronte cinza é a ação ou, em última instância, o atropelamento propriamente dito. Aqui cabem algumas dicas para agirmos da forma mais eficaz possível:

  • Usar medição. Fazer um balanço do tamanho do problema pode tornar o caminho mais claro para tentar resolvê-lo. Usar indicadores pré definidos evita reagirmos num estado psicológico inadequado ao tratamento da ocorrência.
  • Fazer por partes. Se você não pode resolver todo o problema, escolha uma parte administrável. Da mesma forma, divida a decisão na menor unidade efetiva possível – um estado versus um país, uma cidade versus um estado, uma empresa versus um setor, uma única unidade de uma empresa.
  • Transformar uma ameaça em uma oportunidade. Nossos vieses cognitivos nos tornam mais propensos a responder à possibilidade de ganho do que a simplesmente evitar um problema. Esse é o grande segredo do sucesso de muitos sobreviventes: usar de maneira positiva um acontecimento desfavorável de forma a tirar proveito dele.
  • Utilizar drama para chamar a atenção. Quando o problema estiver instalado aproveite-se deste momento para planejar e tomar as ações necessárias visando evitar que algo semelhante ocorra novamente. É quando todos ainda estão sentindo o efeito de uma crise que ficam mais sensíveis a ocorrência de uma nova ameaça. Devemos utilizar a pressão criada pela ocorrência negativa para fazer as mudanças que a inércia ou a conveniência política tornariam muito difíceis. Por exemplo, o melhor momento para discutir ações para evitar deslizamentos de casas causados por alta incidência pluviométrica é logo após uma grande chuva com destruição de moradias. Infelizmente, as pessoas se negam a agir preventivamente apenas reconhecendo a existência de indícios de acontecimentos desfavoráveis e devemos aproveitar o impacto do atropelamento por um rinoceronte cinza para evitar os próximos.

Hoje, empresas, organizações, governos, indústrias e profissionais estão lidando com muitas ameaças que são óbvias, altamente prováveis e potencialmente devastadoras para aqueles que não estão preparados. Cada um de nós enfrenta pelo menos um rinoceronte cinza: na vida pessoal ou familiar, na sua organização ou negócio, ou como membro da sociedade, de uma nação ou como ser humano vivendo neste planeta. Nosso desafio é reconhecer e evitar os perigos altamente prováveis, óbvios e de alto impacto.

Qual é o rinoceronte cinza que está prestes a atacá-lo?

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